Discriminação e Precoceitos nas Relações Sociais.
RESUMO
Nesse trabalho
analisou-se como as crianças dos assentamentos de reforma agrária se relacionam
com grupos sociais diferentes no processo educativo. O artigo apresenta um
estudo realizado em uma escola estadual no distrito de Itahum de Dourados MS.
Teve como principal objetivo, analisar a influência da discriminação e do
preconceito na construção da identidade dessas crianças – moradoras dos
assentamentos da região e que se deslocam para estudar no distrito. O processo
investigativo resultou em um olhar no interior da escola as inter-relações no
interior da mesma. As técnicas de pesquisa foram a observação, a conversa
informal orientada por uma reflexão teórica e a entrevista, envolvendo os (as)
alunos (as), os (as) professores (as) e pais/mães, com o objetivo de analisar
como são construídas as relações entre grupos sociais com especificidades
próprias.
Palavras-chave: identidade, discriminação, preconceito, relações
sociais.
Artigo
O interesse em desenvolver esse
artigo surgiu, a partir de contatos das pesquisadoras com crianças de
assentamentos, quando atuavam como professora, e diante da convivência, nesse
mesmo período, com outros professores (as) da mesma escola.
Nessa convivência no período de
docência, observou-se que, os alunos (as) ao virem dos assentamentos rurais são
rotuladas (os) e discriminadas (os) pelas outras crianças e também pelosa
próprios educadores (as), principalmente no inicio de sua escolarização, o que
faz com que se sintam rejeitadas e passem a se considerar inferiores aos
demais, devido à sua condição social, isso acontece principalmente, quando são
chamadas de “sem terra”.
Ao observar indícios de
discriminação e de preconceitos, o objetivo desse estudo se delineou, surgiu
também o desejo de observar de perto o caminho percorrido pelas crianças vindas
dos assentamentos de reforma agrária e de acompanhar o processo de construção
das relações sociais das mesmas, estruturando uma identidade social. Destacando
para esse estudo a Escola Estadual Antonio Vicente Azambuja. Procurou-se
observar as situações nas quais estão presentes as discriminações e os
preconceitos, bem como situações positivas de fortalecimento da identidade
dessas crianças, com o objetivo de propor possíveis alternativas.
Para estudar o contexto social
dessas crianças de assentamentos rurais e sua experiência escolar, tomamos como
referência um grupo de crianças, de professores e de pais/mães, para melhor
entender como se dão as relações no âmbito escolar e como o processo escolar
influencia nessa realidade.
A partir de então, foi preciso
definir uma metodologia para entender como essa identidade vai sendo construída
durante a vida escolar dessas crianças nos primeiros anos do Ensino
Fundamental. O conjunto de todas essas informações forneceu um rico material,
permitindo conhecer a dinâmica da escola.
Primeiro fez-se um estudo de
obras que tratam do assunto, num segundo momento fez-se contatos com as
crianças, professores (as) e pais, observando e entrevistando, me aproximando
do grupo para melhor observa-los.
A entrevista com os professores
(as) foi desenvolvida com a finalidade de recompor a história dessas crianças
desde seu ingresso na escola, quando vieram para os assentamentos. Ao
utilizar-se das entrevistas com os profissionais de educação, procurou-se,
principalmente, compreender como esses se posicionam frente a discriminação e
ao preconceito existentes em relação aos “sem terra”.
Com os pais/mães, objetivou-se
verificar a visão e a importância atribuída à escola e compreender a realidade
de suas condições sociais, tanto na fase de acampamento como na sua condição de
assentados (as).
As entrevistas e conversas
informais com as crianças foram coletivas e individuais, em que se procurou
apreender as suas representações sobre os colegas e sobre a escola, através de
explicação oral, na inter-relação de diferentes grupos sociais que procuramos
estudar a trajetória dessas crianças.
Espera-se que esse trabalho
contribua com uma reflexão qualitativa que possa ser uma das referências para
os professores analisarem essa realidade, procurando alternativas para
respeitar as diferenças e para que a escola trabalhe com essa criança entendendo
e respeitando suas características, sua identidade e seu modo de vida.Tomando
como base o conceito das autoras, a
identidade é construída nas relações sociais as quais o indivíduo pertence.
Partindo de tal concepção, neste capítulo será demonstrado o conceito de
identidade na perspectiva de diferentes autores e também, como o preconceito e
a discriminação influenciam na construção dessa identidade. Desse modo, tem-se
o objetivo, de analisar as relações de crianças vindas dos assentamentos de
reforma agrária com as crianças da área urbana no cotidiano de uma escola
pública estadual, para verificar como a criança, considerada diferente se sente
em relação às demais e entender como tal situação se efetiva frente a essas
situações. Além disso, há a preocupação em saber como a escola contribui para a
inclusão ou exclusão dessas crianças frente às desigualdades sociais e os
preconceitos evidenciados no dia-a-dia escolar. A análise se efetivou por meio
da observação, diante das concepções de professores/as que concederam
entrevistas, além de considerações de pais/mães, alunos/as coletadas em entrevistas. Nesse
estudo procurou-se analisar as relações sociais entre crianças de classes
sociais diferentes e como a discriminação e o preconceito efetivam a
desigualdade social. Busca-se mostrar também, neste artigo, se a escola
estudada trabalha no sentido de acabar com a discriminação e o preconceito ou
se ela contribui para a perpetuação dos mesmos. As reflexões apresentadas foram
desenvolvidas a partir de leituras, utilização de pesquisas realizadas por
outros (as) pesquisadores (as), entrevistas e pela observação direta na escola.
A temática da identidade está sendo discutida extensamente na teoria social,
visto que, a identidade não é algo constituído e sim um processo, devendo por
isso ser definida historicamente, em um permanente movimento. Nesse sentido, a
identidade étnico-cultural não é uma realidade neutra ou estática, ela é fonte
de sentido e de construção do real, mesmo se marginalizada, o pertencimento
étnico em processo, concorre na constituição de sujeitos e de grupos. A
respeito de identidade, Sader (1988, apud
Borges, 1997, p. 25) lembra que: “Uma coletividade onde se elabora uma identidade e se
organizam práticas através das quais seus membros pretendem defender seus
interesses e expressar as suas vontades, constituindo-se nessas lutas.” Com
base na autora, entendemos que a identidade é algo que se constrói através da
história individual ou como aquilo que define o indivíduo ao longo de sua
trajetória.Em face do exposto, serão mostrados alguns conceitos sobre
identidade, discriminação e preconceito, assim, será possível fazer as análises
dos comportamentos e das relações sociais observadas durante a pesquisa.Segundo
Borges (1997, p.24):
“Ao pensar em identidade, não podemos, pois, pensar apenas em termos da
homogeneidade, mas também em termos de distinção, da diferença que se expressa
e que traduz a riqueza da experiência do ser humano.” A autora lembra que a
identidade é algo que se constrói através da história individual ou como algo
que define o indivíduo ao longo de sua trajetória em suas relações sociais.Para
Hall (2004, p. 8) “O próprio conceito com o qual estamos lidando, ‘identidade’,
é demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco compreendido
na ciência social contemporânea para ser definitivamente posto à prova.” O
autor mostra ainda que as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram
o mundo social, estão em declínio, novas identidades estão surgindo e devido a
esse processo de mudança está havendo uma crise de identidade. Nesse sentido
faz-se necessário compreender como as relações entre grupos sociais se efetivam
para entender como a identidade vai se formando frente às diferenças. Ainda
refletindo com Hall, (2004, p. 38) pode-se destacar que: “A identidade é realmente
algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo
inato, existente na consciência no momento do nascimento.” O autor demonstra
ainda que a identidade é incompleta está sempre mudando, sempre sendo formada,
ele afirma:
“Um outro aspecto desta questão da identidade está relacionado ao caráter da
mudança conhecido como ‘Globalização’ e seu impacto sobre a identidade
cultural.” (2004, p. 14) Conforme o autor, as sociedades modernas são
sociedades em constante mudança nas quais as transformações de tempo e de
espaço ocorrem muito rapidamente. Segundo ele “ela está constantemente sendo
descentrada. Atravessada por diferentes divisões e antagonismos sociais que
produzem uma variedade de diferentes posições de sujeito.” (2004, p.17) Considerando
as reflexões de Hall (2004), a identidade é um elemento constitutivo de
relações sociais. Por meio das relações sociais que os sujeitos se constituem,
e, é, portanto, nessas relações que surgem o preconceito e a discriminação. A
respeito do preconceito, Crochik (1997, p. 11) diz: “Embora esse seja um
fenômeno também psicológico, aquilo que leva o indivíduo a ser ou não ser
preconceituoso pode ser encontrado no seu processo de socialização, no qual se
transforma e se forma como indivíduo”.Nesse sentido lembra Crochik (1997) :
“Assim a identidade individual é dada por elementos visíveis e invisíveis,
constantes e imprevisíveis, sociais e individuais, manifestos e ocultos,
universais e particulares permanentes e em mutação.” (p. 57).Tomando por base a
afirmação do autor a identidade pode ser entendida como algo surgido das
relações entre grupos sociais diferentes, sendo que cada pessoa vai construindo
sua identidade pelas formas através das quais ela imagina ser vista pelos
outros.Nas diferentes relações sociais, fica evidente como ocorre a
discriminação, principalmente entre as crianças que já são muitas vezes
ensinadas pela família para não aceitar outros grupos sociais considerados
inferiores.Sendo a discriminação o ato de diferenciar, nas relações no âmbito
escolar ainda há pessoas que sentem dificuldades em aceitar grupos diferentes
dos que são considerados socialmente como sendo “normais”, ou seja, os grupos
dominantes.Conforme Saffioti, (2002, p.17): “[...] Se as
discriminações [...] foram socialmente construídas, podem ser, também,
socialmente destruídas, com vistas à instauração da verdadeira Democracia.”A
nossa sociedade produz desigualdade, produz diferença nas condições de vida das
pessoas em geral, alguns têm uma vida de muita qualidade e outras têm uma vida
de pouca qualidade, a nossa sociedade é dividida entre grupos com interesses
diferenciados, bem como acesso também diferenciado aos bens socialmente
produzidos.Com base nesses autores, evidencia-se o conceito de identidade como
algo em constante construção e a identidade considerada como o primeiro momento
na construção do sentimento de grupo, de cada um de seus participantes.
Percebe-se a delimitação do espaço que lhe é apresentado para ser ocupado. O
nome próprio, a forma como o indivíduo se apresenta, o modo como deseja ser e
como é , efetivamente visto pelos companheiros, lhe conferem uma identidade
pessoal que o torna único, original. Portanto, é confrontando o plural e o
diferente que temos a oportunidade de observar o mundo com outros olhos. Se for
no oposto que podemos encontrar o nosso complemento, esse mesmo fator a
diversidade, também é a principal razão dos conflitos entre os homens.A grande
dificuldade de alcançar uma harmonia na convivência social se origina na
incapacidade de perceber as semelhanças e de aceitar as diferenças, conviver
com a diferença não é fácil, porém, os conflitos são fundamentais no
desenvolvimento de todas as pessoas, por isso, é nos opondo e nos confrontando
que podemos achar no mundo o que em nós é semelhante aos demais e o que nos é
particular.Sabe-se que no Brasil as desigualdades sociais e econômicas são de
visibilidade nacional e internacional. Essa desigualdade é conseqüência de um
acordo social excludente que não reconhece a cidadania, os direitos e as
oportunidades para todos..diante dessa realidade percebe-se que as escolas
pouco fazem para acabar com a desigualdade, na escola pública que se trabalha
com grupos sociais diferentes, as desigualdades são ainda mais acentuadas. A escola
precisa levar em conta à totalidade na qual a criança se insere para não
isolá-la, levando professores e outras pessoas a fazerem juízos e diagnósticos
falsos sobre aquela criança considerada “diferente”.Pode-se afirmar que as
experiências vividas na escola, muitas vezes, marcadas por humilhações,
contribuem para condicionar a criança ao fracasso, à submissão e ao medo. Nesse
contexto, torna-se difícil a criança construir uma identidade positiva, a
rejeição pode conduzi-la a desenvolver uma baixa autoestima e um autoconceito
negativo. Conforme Fazenda (1991) a criança ao chegar à escola tem mil idéias a
respeito do que vieram fazer ali, concepções as mais variadas, sobre a escola,
sua utilidade, o que estudar, o que querem aprender, quem será sua professora,
por isso é muito importante que ela encontre um ambiente acolhedor, para que
ela perceba que também é importante e que ali, ela será bem vinda.Diante do
exposto percebe-se que o fortalecimento da auto-estima oportuniza a dignidade
pessoal da criança, principalmente daquela discriminada. É importante, procurar
criar um ambiente acolhedor para a expressão de sentimentos e opiniões, com uma
atenção para os menos aceitos, pois, a escola pode não criar desigualdade, mas,
observa-se que esta vem reforçando essa situação. Diante do contexto observado
na escola, objeto desta pesquisa percebeu-se que embora o tratamento em relação
às crianças vindas dos assentamentos rurais ocorresse de forma diferenciada,
variando entre a discriminação, o preconceito e a aceitação; a reação das
crianças observadas foi unânime em termos de interesse de se socializar com as
demais, sempre tentando se integrar com o grupo, que muitas vezes as rejeita, o que faz com que criem comportamentos de defesa para
com aquela situação. Nestas circunstâncias, quando as crianças criam mecanismos
de defesa, são vistas como agressivas, contribuindo para as pessoas que
apresentam predisposição – ligada à ideologia, grupos sociais, dentre outros –
para o preconceito a taxá-las de indisciplinadas. Essas observações
desmistificaram a idéia de que essas crianças são agressivas e desinteressadas,
ao contrário, elas demonstram um grande interesse em se integrar com as demais,
se sentem orgulhosas de sua condição e só se irritam quando são insultadas ou
diante do descaso de algumas crianças que se julgam superiores a elas, devido
suas condições sociais, e essa situação pode ser comum às crianças de variadas
características sociais, emocionais, culturais, não trata-se de uma manifestação
própria das crianças dos assentamentos.Observa-se que a escola precisa
trabalhar mais no sentido de conscientizar os (as) alunos (as) quanto aos
direitos de todos (as) por uma educação de qualidade na qual prevaleçam os
princípios de igualdade e de direitos, além do reconhecimento e o respeito das
crianças diferentes socialmente.Com o intuito de melhor compreender como a
criança vai construindo sua identidade frente à discriminação e ao preconceito,
utilizamos um procedimento para captar a percepção dessas crianças sobre a
escola, solicitamos então, que elas respondessem algumas questões sobre o que
gostavam e o que queriam que mudasse na escola.A análise das respostas
evidenciou uma grande valorização da escola enquanto lugar de ensino-aprendizagem,
mas, quanto à condição social, as manifestações foram diferentes, algumas
crianças se mostraram orgulhosas de sua condição de assentadas, outros dizem
não se importarem com as diferenças, mas, ficou evidente que se magoam quando
são tratadas por “sem terra”, quando isso ocorre de forma discriminatória.A
partir dessas observações, busca-se descobrir o que é preciso fazer para acabar
com a discriminação e o preconceito em relação a essas crianças que são
consideradas “sem terra”, quando utilizada tal caracterização de forma
pejorativa e estereotipada.Porém, sabe-se que na realidade, só se consegue
mudanças e conquista de dignidade com lutas e os sem-terra nada mais fizeram
que lutar por seus direitos, por isso essas visões preconceituosas precisam ser
superadas, tanto pelos profissionais de educação que trabalham com essas
crianças e precisam valorizar sua cultura no sentido de construir uma nova
sociedade, como também, da sociedade em geral. Esta precisa conhecer o real sentido da
reforma agrária para acabar com a concepção de que os sem-terra são pessoas com
objetivos de tomar o que é dos outros. É preciso que a escola trabalhe essa
temática conscientizando os alunos sobre a importância da luta pela terra e do
direito de todos à educação. Diante do exposto, Sarmento (2001) observa que a escola confronta-se quotidianamente não apenas
com crianças e jovens de extração social de entre grupos de excluídos, como ela
própria lida com a geração que, entre todas tem uma maior percentagem de seres
humanos que transportam consigo marcas da pobreza e da privação. Nesse sentido,
fica evidente que a escola, ao propor um ambiente educativo com igualdade para
todos (as), precisa rever a concepção de educação, o que envolve as
metodologias, conteúdos, currículo, enfim, procurando construir um Projeto
Político Pedagógico que discuta as características e problemas sociais, bem
como a exclusão social, com o objetivo de construção de concepções mais
críticas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
.
BORGES, Maria Stela Lemos. Terra:
ponto de partida, ponto de chegada: identidade e luta pela terra: reforma agrária. São
Paulo:
Editora Anita, 1997.
CROCHIK, José Leon. Preconceito e : indivíduo Cultura. São Paulo: Editora Robe, 1997.
FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Já Pronto
seu Lobo? Didática Prática na Pré Escola
2 ed. São Paulo: Ática: EDUC, 1991.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós- Modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu
da Silva; Guacira Lopes Louro. 9 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
MIRANDA, Ivanise Leite. De Personalidade e Identidade: categorias que diferenciam
na configuração do humano. 1995. Dissertação (Mestrado em Sociologia) -
Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, Universidade Estadual Paulista.
Araraquara.
SAFFIOTI, Heleieth I. B. A Mulher na sociedade de classes: mito e realidade.
Petrópolis, RJ:
Vozes, 1976.
SARMENTO, Manoel Jacinto. Infância,
exclusão social e educação para a cidadania activa. Movimento revista da Faculdade de Educação da U.F.F Campos do
Gragoatá Niterói, n. 3, p. 125-147, maio de 2001.
_____. Percursos de exclusão e da inclusão
social das gerações jovens. Infância e
Juventude. Campos do Gragoatá Niterói, 1999, p. 47-67.
Autora:
Maria
da Conceição Cavalheiro de Freitas
Nenhum comentário:
Postar um comentário