Artigo da Professorª: Maria da Conceição Cavalheiro de Freitas com o titulo de Discriminação e Precoceitos nas Relações Sociais.

                        Discriminação e Precoceitos nas Relações Sociais.
RESUMO
 Nesse trabalho analisou-se como as crianças dos assentamentos de reforma agrária se relacionam com grupos sociais diferentes no processo educativo. O artigo apresenta um estudo realizado em uma escola estadual no distrito de Itahum de Dourados MS. Teve como principal objetivo, analisar a influência da discriminação e do preconceito na construção da identidade dessas crianças – moradoras dos assentamentos da região e que se deslocam para estudar no distrito. O processo investigativo resultou em um olhar no interior da escola as inter-relações no interior da mesma. As técnicas de pesquisa foram a observação, a conversa informal orientada por uma reflexão teórica e a entrevista, envolvendo os (as) alunos (as), os (as) professores (as) e pais/mães, com o objetivo de analisar como são construídas as relações entre grupos sociais com especificidades próprias.
Palavras-chave: identidade, discriminação, preconceito, relações sociais.
Artigo
O interesse em desenvolver esse artigo surgiu, a partir de contatos das pesquisadoras com crianças de assentamentos, quando atuavam como professora, e diante da convivência, nesse mesmo período, com outros professores (as) da mesma escola.
Nessa convivência no período de docência, observou-se que, os alunos (as) ao virem dos assentamentos rurais são rotuladas (os) e discriminadas (os) pelas outras crianças e também pelosa próprios educadores (as), principalmente no inicio de sua escolarização, o que faz com que se sintam rejeitadas e passem a se considerar inferiores aos demais, devido à sua condição social, isso acontece principalmente, quando são chamadas de “sem terra”.
Ao observar indícios de discriminação e de preconceitos, o objetivo desse estudo se delineou, surgiu também o desejo de observar de perto o caminho percorrido pelas crianças vindas dos assentamentos de reforma agrária e de acompanhar o processo de construção das relações sociais das mesmas, estruturando uma identidade social. Destacando para esse estudo a Escola Estadual Antonio Vicente Azambuja. Procurou-se observar as situações nas quais estão presentes as discriminações e os preconceitos, bem como situações positivas de fortalecimento da identidade dessas crianças, com o objetivo de propor possíveis alternativas.
Para estudar o contexto social dessas crianças de assentamentos rurais e sua experiência escolar, tomamos como referência um grupo de crianças, de professores e de pais/mães, para melhor entender como se dão as relações no âmbito escolar e como o processo escolar influencia nessa realidade.
A partir de então, foi preciso definir uma metodologia para entender como essa identidade vai sendo construída durante a vida escolar dessas crianças nos primeiros anos do Ensino Fundamental. O conjunto de todas essas informações forneceu um rico material, permitindo conhecer a dinâmica da escola.
Primeiro fez-se um estudo de obras que tratam do assunto, num segundo momento fez-se contatos com as crianças, professores (as) e pais, observando e entrevistando, me aproximando do grupo para melhor observa-los.
A entrevista com os professores (as) foi desenvolvida com a finalidade de recompor a história dessas crianças desde seu ingresso na escola, quando vieram para os assentamentos. Ao utilizar-se das entrevistas com os profissionais de educação, procurou-se, principalmente, compreender como esses se posicionam frente a discriminação e ao preconceito existentes em relação aos “sem terra”.
Com os pais/mães, objetivou-se verificar a visão e a importância atribuída à escola e compreender a realidade de suas condições sociais, tanto na fase de acampamento como na sua condição de assentados (as).
As entrevistas e conversas informais com as crianças foram coletivas e individuais, em que se procurou apreender as suas representações sobre os colegas e sobre a escola, através de explicação oral, na inter-relação de diferentes grupos sociais que procuramos estudar a trajetória dessas crianças.
Espera-se que esse trabalho contribua com uma reflexão qualitativa que possa ser uma das referências para os professores analisarem essa realidade, procurando alternativas para respeitar as diferenças e para que a escola trabalhe com essa criança entendendo e respeitando suas características, sua identidade e seu modo de vida.Tomando como base o conceito das  autoras, a identidade é construída nas relações sociais as quais o indivíduo pertence. Partindo de tal concepção, neste capítulo será demonstrado o conceito de identidade na perspectiva de diferentes autores e também, como o preconceito e a discriminação influenciam na construção dessa identidade. Desse modo, tem-se o objetivo, de analisar as relações de crianças vindas dos assentamentos de reforma agrária com as crianças da área urbana no cotidiano de uma escola pública estadual, para verificar como a criança, considerada diferente se sente em relação às demais e entender como tal situação se efetiva frente a essas situações. Além disso, há a preocupação em saber como a escola contribui para a inclusão ou exclusão dessas crianças frente às desigualdades sociais e os preconceitos evidenciados no dia-a-dia escolar. A análise se efetivou por meio da observação, diante das concepções de professores/as que concederam entrevistas, além de considerações de pais/mães, alunos/as coletadas em entrevistas. Nesse estudo procurou-se analisar as relações sociais entre crianças de classes sociais diferentes e como a discriminação e o preconceito efetivam a desigualdade social. Busca-se mostrar também, neste artigo, se a escola estudada trabalha no sentido de acabar com a discriminação e o preconceito ou se ela contribui para a perpetuação dos mesmos. As reflexões apresentadas foram desenvolvidas a partir de leituras, utilização de pesquisas realizadas por outros (as) pesquisadores (as), entrevistas e pela observação direta na escola. A temática da identidade está sendo discutida extensamente na teoria social, visto que, a identidade não é algo constituído e sim um processo, devendo por isso ser definida historicamente, em um permanente movimento. Nesse sentido, a identidade étnico-cultural não é uma realidade neutra ou estática, ela é fonte de sentido e de construção do real, mesmo se marginalizada, o pertencimento étnico em processo, concorre na constituição de sujeitos e de grupos. A respeito de identidade, Sader (1988, apud Borges, 1997, p. 25) lembra que: “Uma coletividade onde se elabora uma identidade e se organizam práticas através das quais seus membros pretendem defender seus interesses e expressar as suas vontades, constituindo-se nessas lutas.” Com base na autora, entendemos que a identidade é algo que se constrói através da história individual ou como aquilo que define o indivíduo ao longo de sua trajetória.Em face do exposto, serão mostrados alguns conceitos sobre identidade, discriminação e preconceito, assim, será possível fazer as análises dos comportamentos e das relações sociais observadas durante a pesquisa.Segundo Borges (1997, p.24): “Ao pensar em identidade, não podemos, pois, pensar apenas em termos da homogeneidade, mas também em termos de distinção, da diferença que se expressa e que traduz a riqueza da experiência do ser humano.” A autora lembra que a identidade é algo que se constrói através da história individual ou como algo que define o indivíduo ao longo de sua trajetória em suas relações sociais.Para Hall (2004, p. 8) “O próprio conceito com o qual estamos lidando, ‘identidade’, é demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco compreendido na ciência social contemporânea para ser definitivamente posto à prova.” O autor mostra ainda que as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, novas identidades estão surgindo e devido a esse processo de mudança está havendo uma crise de identidade. Nesse sentido faz-se necessário compreender como as relações entre grupos sociais se efetivam para entender como a identidade vai se formando frente às diferenças. Ainda refletindo com Hall, (2004, p. 38) pode-se destacar que: “A identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento.” O autor demonstra ainda que a identidade é incompleta está sempre mudando, sempre sendo formada, ele afirma: “Um outro aspecto desta questão da identidade está relacionado ao caráter da mudança conhecido como ‘Globalização’ e seu impacto sobre a identidade cultural.” (2004, p. 14) Conforme o autor, as sociedades modernas são sociedades em constante mudança nas quais as transformações de tempo e de espaço ocorrem muito rapidamente. Segundo ele “ela está constantemente sendo descentrada. Atravessada por diferentes divisões e antagonismos sociais que produzem uma variedade de diferentes posições de sujeito.” (2004, p.17) Considerando as reflexões de Hall (2004), a identidade é um elemento constitutivo de relações sociais. Por meio das relações sociais que os sujeitos se constituem, e, é, portanto, nessas relações que surgem o preconceito e a discriminação. A respeito do preconceito, Crochik (1997, p. 11) diz: “Embora esse seja um fenômeno também psicológico, aquilo que leva o indivíduo a ser ou não ser preconceituoso pode ser encontrado no seu processo de socialização, no qual se transforma e se forma como indivíduo”.Nesse sentido lembra Crochik (1997) : “Assim a identidade individual é dada por elementos visíveis e invisíveis, constantes e imprevisíveis, sociais e individuais, manifestos e ocultos, universais e particulares permanentes e em mutação.” (p. 57).Tomando por base a afirmação do autor a identidade pode ser entendida como algo surgido das relações entre grupos sociais diferentes, sendo que cada pessoa vai construindo sua identidade pelas formas através das quais ela imagina ser vista pelos outros.Nas diferentes relações sociais, fica evidente como ocorre a discriminação, principalmente entre as crianças que já são muitas vezes ensinadas pela família para não aceitar outros grupos sociais considerados inferiores.Sendo a discriminação o ato de diferenciar, nas relações no âmbito escolar ainda há pessoas que sentem dificuldades em aceitar grupos diferentes dos que são considerados socialmente como sendo “normais”, ou seja, os grupos dominantes.Conforme Saffioti, (2002, p.17): “[...] Se as discriminações [...] foram socialmente construídas, podem ser, também, socialmente destruídas, com vistas à instauração da verdadeira Democracia.”A nossa sociedade produz desigualdade, produz diferença nas condições de vida das pessoas em geral, alguns têm uma vida de muita qualidade e outras têm uma vida de pouca qualidade, a nossa sociedade é dividida entre grupos com interesses diferenciados, bem como acesso também diferenciado aos bens socialmente produzidos.Com base nesses autores, evidencia-se o conceito de identidade como algo em constante construção e a identidade considerada como o primeiro momento na construção do sentimento de grupo, de cada um de seus participantes. Percebe-se a delimitação do espaço que lhe é apresentado para ser ocupado. O nome próprio, a forma como o indivíduo se apresenta, o modo como deseja ser e como é , efetivamente visto pelos companheiros, lhe conferem uma identidade pessoal que o torna único, original. Portanto, é confrontando o plural e o diferente que temos a oportunidade de observar o mundo com outros olhos. Se for no oposto que podemos encontrar o nosso complemento, esse mesmo fator a diversidade, também é a principal razão dos conflitos entre os homens.A grande dificuldade de alcançar uma harmonia na convivência social se origina na incapacidade de perceber as semelhanças e de aceitar as diferenças, conviver com a diferença não é fácil, porém, os conflitos são fundamentais no desenvolvimento de todas as pessoas, por isso, é nos opondo e nos confrontando que podemos achar no mundo o que em nós é semelhante aos demais e o que nos é particular.Sabe-se que no Brasil as desigualdades sociais e econômicas são de visibilidade nacional e internacional. Essa desigualdade é conseqüência de um acordo social excludente que não reconhece a cidadania, os direitos e as oportunidades para todos..diante dessa realidade percebe-se que as escolas pouco fazem para acabar com a desigualdade, na escola pública que se trabalha com grupos sociais diferentes, as desigualdades são ainda mais acentuadas. A escola precisa levar em conta à totalidade na qual a criança se insere para não isolá-la, levando professores e outras pessoas a fazerem juízos e diagnósticos falsos sobre aquela criança considerada “diferente”.Pode-se afirmar que as experiências vividas na escola, muitas vezes, marcadas por humilhações, contribuem para condicionar a criança ao fracasso, à submissão e ao medo. Nesse contexto, torna-se difícil a criança construir uma identidade positiva, a rejeição pode conduzi-la a desenvolver uma baixa autoestima e um autoconceito negativo. Conforme Fazenda (1991) a criança ao chegar à escola tem mil idéias a respeito do que vieram fazer ali, concepções as mais variadas, sobre a escola, sua utilidade, o que estudar, o que querem aprender, quem será sua professora, por isso é muito importante que ela encontre um ambiente acolhedor, para que ela perceba que também é importante e que ali, ela será bem vinda.Diante do exposto percebe-se que o fortalecimento da auto-estima oportuniza a dignidade pessoal da criança, principalmente daquela discriminada. É importante, procurar criar um ambiente acolhedor para a expressão de sentimentos e opiniões, com uma atenção para os menos aceitos, pois, a escola pode não criar desigualdade, mas, observa-se que esta vem reforçando essa situação. Diante do contexto observado na escola, objeto desta pesquisa percebeu-se que embora o tratamento em relação às crianças vindas dos assentamentos rurais ocorresse de forma diferenciada, variando entre a discriminação, o preconceito e a aceitação; a reação das crianças observadas foi unânime em termos de interesse de se socializar com as demais, sempre tentando se integrar com o grupo, que muitas vezes as rejeita, o que faz com que criem comportamentos de defesa para com aquela situação. Nestas circunstâncias, quando as crianças criam mecanismos de defesa, são vistas como agressivas, contribuindo para as pessoas que apresentam predisposição – ligada à ideologia, grupos sociais, dentre outros – para o preconceito a taxá-las de indisciplinadas. Essas observações desmistificaram a idéia de que essas crianças são agressivas e desinteressadas, ao contrário, elas demonstram um grande interesse em se integrar com as demais, se sentem orgulhosas de sua condição e só se irritam quando são insultadas ou diante do descaso de algumas crianças que se julgam superiores a elas, devido suas condições sociais, e essa situação pode ser comum às crianças de variadas características sociais, emocionais, culturais, não trata-se de uma manifestação própria das crianças dos assentamentos.Observa-se que a escola precisa trabalhar mais no sentido de conscientizar os (as) alunos (as) quanto aos direitos de todos (as) por uma educação de qualidade na qual prevaleçam os princípios de igualdade e de direitos, além do reconhecimento e o respeito das crianças diferentes socialmente.Com o intuito de melhor compreender como a criança vai construindo sua identidade frente à discriminação e ao preconceito, utilizamos um procedimento para captar a percepção dessas crianças sobre a escola, solicitamos então, que elas respondessem algumas questões sobre o que gostavam e o que queriam que mudasse na escola.A análise das respostas evidenciou uma grande valorização da escola enquanto lugar de ensino-aprendizagem, mas, quanto à condição social, as manifestações foram diferentes, algumas crianças se mostraram orgulhosas de sua condição de assentadas, outros dizem não se importarem com as diferenças, mas, ficou evidente que se magoam quando são tratadas por “sem terra”, quando isso ocorre de forma discriminatória.A partir dessas observações, busca-se descobrir o que é preciso fazer para acabar com a discriminação e o preconceito em relação a essas crianças que são consideradas “sem terra”, quando utilizada tal caracterização de forma pejorativa e estereotipada.Porém, sabe-se que na realidade, só se consegue mudanças e conquista de dignidade com lutas e os sem-terra nada mais fizeram que lutar por seus direitos, por isso essas visões preconceituosas precisam ser superadas, tanto pelos profissionais de educação que trabalham com essas crianças e precisam valorizar sua cultura no sentido de construir uma nova sociedade, como também, da sociedade em geral. Esta precisa conhecer o real sentido da reforma agrária para acabar com a concepção de que os sem-terra são pessoas com objetivos de tomar o que é dos outros. É preciso que a escola trabalhe essa temática conscientizando os alunos sobre a importância da luta pela terra e do direito de todos à educação. Diante do exposto, Sarmento (2001) observa que a escola confronta-se quotidianamente não apenas com crianças e jovens de extração social de entre grupos de excluídos, como ela própria lida com a geração que, entre todas tem uma maior percentagem de seres humanos que transportam consigo marcas da pobreza e da privação. Nesse sentido, fica evidente que a escola, ao propor um ambiente educativo com igualdade para todos (as), precisa rever a concepção de educação, o que envolve as metodologias, conteúdos, currículo, enfim, procurando construir um Projeto Político Pedagógico que discuta as características e problemas sociais, bem como a exclusão social, com o objetivo de construção de concepções mais críticas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BORGES, Maria Stela Lemos. Terra: ponto de partida, ponto de chegada: identidade e luta pela terra: reforma agrária. São Paulo: Editora Anita, 1997.
CROCHIK, José Leon. Preconceito e : indivíduo Cultura. São Paulo: Editora Robe, 1997.
FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Já Pronto seu Lobo? Didática Prática na Pré Escola 2 ed. São Paulo: Ática: EDUC, 1991.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós- Modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva; Guacira Lopes Louro. 9 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
MIRANDA, Ivanise Leite. De Personalidade e Identidade: categorias que diferenciam na configuração do humano. 1995. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, Universidade Estadual Paulista. Araraquara.
SAFFIOTI, Heleieth I. B. A Mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1976.
SARMENTO, Manoel Jacinto. Infância, exclusão social e educação para a cidadania activa. Movimento revista da Faculdade de Educação da U.F.F Campos do Gragoatá Niterói, n. 3, p. 125-147, maio de 2001.
_____. Percursos de exclusão e da inclusão social das gerações jovens. Infância e Juventude. Campos do Gragoatá Niterói, 1999, p. 47-67.
Autora:
Maria da Conceição Cavalheiro de Freitas

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